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 Bolsa do ProUni inclui há 20 anos aluno de baixa renda na universidade

Ricardo Westin
Publicado em 16/5/2025

Uma das principais políticas públicas de democratização do ensino superior do Brasil completa 20 anos. Trata-se do Programa Universidade para Todos (ProUni), que desde 2005 concede bolsas de estudo em instituições privadas a universitários de baixa renda.

Nestas duas décadas, o ProUni custeou a formação de 3,5 milhões de estudantes em todo o Brasil — o equivalente a toda a população de Mato Grosso ou do Rio Grande do Norte. Do total de alunos, 73% receberam bolsa integral (que cobriu todo o valor das mensalidades) e 27%, bolsa parcial.

A consultora legislativa do Senado Tatiana Feitosa de Britto, especialista em educação, afirma:

— Na época em que o ProUni foi criado, havia uma demanda grande por novas vagas no ensino superior. O governo entendeu que a expansão das universidades federais não seria suficiente. Apoiado no setor privado, o ProUni nasceu como um programa inovador. Os 20 anos de existência comprovam o êxito, já que o Brasil não tem a tradição de conservar políticas públicas na sucessão de diferentes governos.

Jornal carioca 'Tribuna da Imprensa' noticia criação do ProUni, em 2005 (Biblioteca Nacional Digital)

Um dos pontos fortes do ProUni é o custo relativamente baixo. Para o governo federal, fica mais barato manter um estudante numa faculdade privada, com bolsa, do que numa instituição pública.

O ProUni funciona por meio de renúncia fiscal, e o Ministério da Educação não precisa destinar verbas para o programa.  As instituições que concedem as bolsas ganham, em troca, a isenção de certos tributos federais, como o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica.

Contabilizando-se os tributos que deixam de ser recolhidos, cada bolsista do ProUni custa aos cofres públicos perto de R$ 8 mil por ano. O valor destinado à formação de cada estudante da universidade pública é de quase R$ 36 mil anuais.

A adesão das faculdades não é obrigatória. Participam do programa algumas das instituições mais conceituadas do país, como as Pontifícias Universidades Católicas (PUCs). As bolsas alcançam os mais variados cursos, inclusive medicina, que é o mais caro e concorrido de todos.

Para ter direito à bolsa de 100%, a renda per capita da família do estudante precisa ser de até 1,5 salário mínimo por mês. No caso da bolsa de 50%, a renda per capita não pode ser superior a três salários mínimos.

Também pode concorrer às bolsas, mas sem a exigência de renda, o professor da rede pública, especificamente para os cursos de licenciatura e pedagogia.

O Ministério da Educação abre as inscrições do ProUni duas vezes por ano, sempre no início de cada semestre. Se o calendário do ano passado for repetido, as próximas inscrições serão abertas em julho.

ProUni ajuda na democratização do acesso ao ensino superior (José Cruz/Agência Brasil)

Os postulantes às bolsas devem ter alcançado pelo menos 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) — a nota máxima possível é de mil pontos — e não ter tirado nota zero na redação.

Podem concorrer tanto o aluno oriundo de escola pública quanto o de colégio privado, mas o primeiro tem prioridade na classificação. O ProUni não aceita a inscrição de quem já tem diploma de curso superior.

De acordo com a presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior (Semesp), Lúcia Maria Teixeira, o sucesso do programa ajuda a combater o estigma de que as faculdades particulares são mercantilistas e de baixa qualidade:

— As instituições privadas têm sido decisivas na democratização do ensino superior e na inclusão social de estudantes de baixa renda. Se não fossem as bolsas do ProUni, grande parte deles não conseguiria o diploma universitário.

Teixeira diz que o próprio ProUni acaba fortalecendo a qualidade do ensino das universidades privadas. Primeiro, porque só podem ser concedidas bolsas para cursos que são bem avaliados pelo Ministério da Educação. Depois, porque os bolsistas precisam manter um bom desempenho acadêmico ao longo de todo o curso, já que a reprovação resulta no cancelamento da bolsa.

As avaliações oficiais atestam a qualidade do ensino. No Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), feito por aqueles que estão concluindo a graduação, a nota geral dos bolsistas do ProUni e a dos universitários da rede pública costumam ser semelhantes. Na edição de 2017 do Enade, a nota dos bolsistas foi ligeiramente maior.

Outro dado que chama a atenção é o da evasão. Nos estabelecimentos de ensino participantes do ProUni, a taxa de universitários que abandonam o curso é mais baixa do que nas instituições públicas e nas privadas não participantes do programa.

Mardem Ribeiro foi bolsista logo no primeiro ano do ProUni, em 2005. Ele, que cursou ciências biológicas na PUC Minas pagando 50% da mensalidade, lembra:

— Na época, minha família não tinha condições de custear a mensalidade integral, mesmo não sendo um curso caro. Foi difícil até mesmo pagar os 50%. Tivemos que cortar gastos e eu precisei trabalhar em certos momentos durante o curso, dar aulas particulares. Cheguei a pagar algumas mensalidades com atraso.

No ano passado, Ribeiro foi admitido no Senado como consultor legislativo, depois de passar num concorrido concurso público.

— O ProUni fez toda a diferença na minha vida e é um divisor de águas na educação brasileira. Sem o programa, muita gente não conseguiria fazer uma graduação — ele avalia.

Criado no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ProUni foi seguido de outras medidas de democratização do ensino superior.

Em 2007, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) ampliou a rede universitária pública. Em 2010, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) foi reformulado, com a redução dos juros do financiamento das mensalidades em faculdades privadas. Em 2012, a Lei de Cotas foi aprovada, reservando vagas nas universidades federais a estudantes negros, indígenas, com deficiência e oriundos de escola pública.

Apesar das políticas públicas e dos avanços, a universidade no Brasil ainda é um lugar para poucos. De acordo com o Censo de 2022, apenas 18,4% dos brasileiros com 25 anos ou mais têm curso superior.

A proposta do novo Plano Nacional de Educação (PL 2.614/2024), elaborada pelo governo e atualmente em estudo na Câmara dos Deputados, estabelece como meta que pelo menos 40% dos brasileiros entre 25 e 34 anos tenham diploma universitário até 2034.

Página do MEC dedicada ao ProUni: inscrições são abertas duas vezes por ano (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Na maior parte destes 20 anos de existência, o ProUni registrou crescimento constante. O pico se deu em 2019, quando foram beneficiados quase 616 mil bolsistas. Desde 2020, no entanto, o alcance do programa vem caindo. Em 2023, foram concedidas perto de 404 mil bolsas.

De acordo com Lúcia Maria Teixeira, do Semesp, o principal responsável pela queda foi a pandemia de covid-19, iniciada em 2020. Ela explica:

— O total de alunos dos estabelecimentos privados caiu na pandemia, principalmente em razão da perda de renda das famílias. Como o número de bolsas do ProUni é proporcional ao número de alunos pagantes de cada instituição, a quantidade de bolsistas naturalmente diminuiu. Ao mesmo tempo, as aulas on-line na pandemia comprometeram a qualidade do ensino médio, o que impediu muitos alunos de atingir a nota mínima no Enem necessária para concorrer às bolsas do ProUni.

Para o ProUni voltar a crescer, Teixeira diz que o Ministério da Educação precisa reforçar a divulgação e levar a informação a todas as escolas públicas. Segundo ela, é preciso derrubar a crença de muitos estudantes de que o ensino superior é acessível apenas àqueles que têm dinheiro para pagar faculdades privadas e àqueles que saíram de colégios de excelência e, portanto, conseguem passar nas disputadas seleções das universidades públicas.

'Tribuna da Imprensa' noticia aprovação do ProUni no Senado, em 2004 (Biblioteca Nacional Digital)

A consultora legislativa Tatiana Feitosa de Britto aponta outros aspectos do ProUni que precisam ser melhorados:

— A evasão de quem tem bolsa parcial é mais alta do que a de quem tem bolsa total. Isso significa que muitos alunos têm dificuldade para pagar os 50% da mensalidade. Para reduzir esse problema, o governo poderia criar uma melhor articulação entre o ProUni e o Fies, facilitando o acesso dos bolsistas parciais ao financiamento estudantil. Também há análises que mostram que o governo deveria ser um indutor da oferta de cursos do ProUni, priorizando a concessão de bolsas em carreiras que atendam às demandas do mercado de trabalho de cada região.

Ela acrescenta que falta transparência nos números do ProUni e que deveria existir uma página na internet contendo todas as estatísticas, desde o perfil dos bolsistas até o valor das isenções tributárias das instituições de ensino, de modo a facilitar o controle social do programa.

A Agência Senado solicitou entrevista ao Ministério da Educação, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

Senadores Teresa Leitão e Nelsinho Trad, autores de projetos de lei que tratam do ProUni (Pedro França/Agência Senado e Marcos Oliveira/Agência Senado)

A proposta que criou o ProUni foi aprovada pelo Senado e pela Câmara no fim de 2004 e sancionada pelo presidente Lula no início de 2005 (Lei 11.096). Desde então, diversos projetos de lei propuseram mudanças no programa.

Entre as propostas atualmente em análise do Senado, está uma do senador Nelsinho Trad (PSD-MS) que facilita a concessão de bolsas do ProUni a ex-atletas, de modo a beneficiar aqueles que sacrificaram a vida acadêmica em nome do esporte (PL 2.929/2021).

A senadora Teresa Leitão (PT-PE), por sua vez, apresentou um projeto de lei que cria o Auxílio Emergencial Estudantil (PL 1.312/2023). Trata-se de um valor mensal a ser concedido aos bolsistas mais carentes do ProUni logo a partir da matrícula, pelo período máximo de seis meses, até que eles enfim consigam se tornar beneficiários da Bolsa Permanência, o programa regular de auxílio estudantil.

A Bolsa Permanência, no valor mensal de R$ 700, pode ser solicitada pelos participantes que têm bolsa de 100% e frequentam cursos presenciais de tempo integral (com pelo menos seis horas diárias de aula). No caso de indígenas e quilombolas, o auxílio é de R$ 1.400. A bolsa, que busca evitar a evasão dos estudantes, ajuda nos gastos com alimentação, transporte e material escolar, por exemplo.


Pauta e reportagem: Ricardo Westin
Edição: Valter Gonçalves Jr.
Infografia: Cássio Costa
Edição de fotos e multimídia: Bernardo Ururahy
Foto de capa: Cecília Bastos/Jornal USP

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)